sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Accountability Política vs. Propaganda

A despeito da accountability política ser considerada como uma das principais ferramentas de democratização da atividade política, essa idéia tem sido frequentemente reduzida à prestação de contas. Neste contexto é que se questiona se “apenas realizando uma boa prestação de contas o governante está realizando plenamente o que se espera da accountability política?” Se podemos afirmar que a resposta é não, então, “como realizar accountability política sem enveredar pela propaganda direcionada para a persuasão político-eleitoral de interesse do grupo que está no poder?”

Em primeiro lugar, deve-se destacar a existência que teóricos definiram como a “Crise da Representação”. Essa questão está diretamente relacionada ao que Robert Dahl (2000) definiria de “paradoxo democrático”: cidadãos apegados às normas democráticas, mas descrentes das instituições que deveriam efetivá-las. Para Carl Shimitt (2000) a representação apenas pode ocorrer na esfera da publicidade. Representar significa tornar visível; não sendo possível realizar-se em segredo ou às portas fechadas.

A transparência dos atos de poder é um dos princípios básicos da própria democracia e do Estado de Direito. Constitucionalmente presente, a expressão “dar publicidade” pode ter diferentes interpretações, sobretudo: ato de tornar público ou fazer publicidade, no sentido de propaganda. Eugênio Bucci (2008) argumenta que existe uma separação entre as informações que o governo tem de tornar públicas e a publicidade do governo. Para ele, a primeira flui naturalmente pelos meios jornalísticos, enquanto a segunda se faz pela publicidade paga.

Em conseqüência as multifunções adquiridas pelos representantes em diferentes âmbitos, torna-se necessário um alto número de prestação de contas e o eleitor é obrigado de acompanhá-las e impor sanções, em forma de voto, conforme seu interesse aos representantes. Neste contexto, é comum a redução da accountability em “mera avaliação impressionista do impacto da ação governamental sobre a vida de cada indivíduo” (Downs - 1957), ou, em pior grau, limitando-a à controle de corrupção ou prestação de contas.

Para Luiz Felipe Miguel (2005), “o bom funcionamento da accountability vertical dependerá da existência institucional de sanções efetivas sobre os representantes, da provisão de informação adequada e plural (não apenas sobre a atuação dos governantes, mas sobre o mundo social de modo geral) e do interesse pela política disseminado nos diferentes grupos da população.”

Algumas questões constitucionais ou legais constituem forte amparo à accountability, neste caso, estritamente legal, no cerceamento dos “deslizes” dos representantes. Porém estes não constituem elo entre representantes e representados, na medida em que este poder não pertence ao povo.

“Sem dúvida, a única conexão que a lei positiva (ou seja, criando sanções) pode oferecer é accountability baseada na capacidade dos eleitores, individuais ou grupais, de exigir que os representantes expliquem o que fazem (respondam por, sejam responsabilizados, sejam punidos ou mesmo recompensados pelo que fazem). (...) Accountability é uma avaliação retrospectiva, especialmente quando se trata de representantes eleitos que não podem ser forçados a cumprir as promessas e programas enquanto estiverem no cargo, mas que podem ser punidos por seus atos e omissões nas eleições subseqüentes.” (Andrew Arato – 2002)

Sendo assim, a democracia representativa tem um ferimento grave, em sua intrínseca dificuldade institucional de agir em torno da representação. De fato, mostra-se como uma tarefa bem complicada a separação entre informação e propaganda, sendo o primeiro um direito do cidadão, fundamental ao regime democrático. O que se tem hoje é o uso da accountability, exclusivamente, a serviço dos grupos que estão no poder, a despeito de suas características fundantes.

Ressalto aqui que é pré-condição de extrema importância para que a accountability funcione, a participação intensiva por parte dos cidadãos na democracia. Devemos considerar que as eleições, como único instrumento que capacita o eleitor a impor sanções aos governantes, mostra-se muito ineficiente.

Assim, podemos considerar as informações disponibilizadas pelo Estado e/ou governantes como não confiáveis, ao passo de que estas são utilizadas de forma circunscrita a parcialidades de seus interesses. Porém, ao contrário do que diz Heloiza Dias Bezerra, a mídia comercial também é problemática quanto à sua parcialidade, especialmente no que diz respeito a sua parcialidade em torno de interesses econômicos, voltando-nos ao paradoxo apresentado.

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